Princípios informativos do processo[1]

 

O termo princípio provém do latim principium, e significa origem, começo.  Apresenta dois sentidos: um vulgar e um jurídico; no sentido vulgar quer exprimir começo de vida ou o primeiro instante em que as pessoas ou as coisas começam a existir; no sentido jurídico, significa norma elementar ou requisito primordial instituído como base, isto é, alicerce de alguma coisa[2].

Os princípios têm dupla finalidade, pois além de serem  utilizados como critério de interpretação das normas, orientando sua aplicação no caso concreto, por outro lado, são fontes de inspiração do legislador, para a criação de normas regulamentadoras de direitos protegidos pelos princípios jurídicos. 

Os princípios se dividem em princípios deontológicos – que se situam no plano do ideal, do dever-ser - e epistemológicos – que atuam diretamente sobre a realidade, situando-se no plano do ser.

Os princípios informativos do processo são “normas ideais que representam uma aspiração de melhoria do aparelho processual”[3].  Com efeito, os princípios informativos do processo ultrapassam os limites da deontologia, exteriorizando-se, por conseguinte, no direito positivo, seja explícita ou implicitamente, através de sua aplicação em diversos procedimentos judiciais.

Os princípios deontológicos do processo são: o lógico, o jurídico, o político, o econômico.  O princípio lógico é a escolha dos meios mais eficazes para se descobrir a verdade e evitar o erro.  O princípio jurídico proclama a igualdade na demanda e justiça na decisão.  O princípio político é a máxima garantia social, com o mínimo de sacrifício individual da liberdade. Pelo princípio econômico, o processo deve ser acessível a todos, seu custo e sua duração não devem ser dispendiosos[4].

No que concerne aos princípios epistemológicos, dada a existência de um número enorme de princípios encontrados na doutrina, destacamos alguns que achamos terem maior relevância, são estes : princípio do contraditório, princípio da ampla defesa, princípio da igualdade, princípio dispositivo, princípio da oralidade, princípio da publicidade, princípio da economia processual, princípio do duplo grau de jurisdição. 

Outrossim, por não ser o objetivo principal deste capítulo fazer um estudo dos princípios do processo e do procedimento, mas e sobretudo, traçar algumas considerações importantes acerca do tema, abordaremos apenas dois dos princípios gerais do processo, que consideramos como os mais importantes para este capítulo e, a seguir, estudaremos os princípios que regulam os prazos processuais propriamente ditos, que são aqueles informativos da teoria dos prazos.

 

PARIDADE DE TRATAMENTO

O princípio da paridade de tratamento, que também é conhecido como princípio da igualdade das partes, é assegurado pelo art.125, inciso I, do Código de Processo Civil, sendo posteriormente erigido à categoria de princípio constitucional pela Magna Carta de 1988, que em seu art.5º, caput, estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. 

Como efeito deste princípio na teoria dos prazos, impõe-se que as partes gozem de prazos iguais, para a prática de atos idênticos.  Não obstante, sua fonte constitucional, o princípio da paridade de tratamento, é um princípio relativo, pois encontra óbice em alguns privilégios processuais garantidos às partes, seja em razão da qualidade das partes, como se vislumbra no art.188[5] do CPC que trata dos prazos da Fazenda Pública e do Ministério Público, seja em virtude das condições do lugar em que o ato processual deva ser praticado, como ocorre in casu no art.182[6] do CPC.

Todavia, tais prerrogativas encontram como justificativa a supremacia dos interesses tutelados por estas instituições. Corroborando este posicionamento, vejamos as lições de Ada Pellegrini Grinover, in verbis :

“Por isso, Fazenda e Ministério Público gozam da dilação de prazos prevista no art.188 do Código de Processo civil: as partes não litigam em igualdade de condições e o benefício de prazo se justifica, na medida necessária ao estabelecimento da verdadeira isonomia.  A Fazenda, em virtude da complexidade dos serviços estatais e da necessidade de formalidades burocráticas; o Ministério Público, por causa do desaparelhamento e distância das fontes de informação e de provas. Outras prerrogativas, que se justificam pela idoneidade financeira e pelo interesse público, são a procrastinação do pagamento das despesas processuais ( dispensa de preparo) e a concessão da medida cautelar independentemente de justificação prévia e de caução (CPC, art.27, 511 e 816, inc. I).”[7]

Por ser um princípio supraconstitucional, informativo de todo o direito, “freqüentemente a doutrina considera inconstitucional o tratamento privilegiado dispensado às partes”[8]

BREVIDADE

O princípio da brevidade, também conhecido como princípio da celeridade visa, acima de tudo, à realização de um processo barato, rápido e justo.  Em decorrência destes objetivos, este princípio se acha intimamente ligado ao princípio da economia processual, que encontra na celeridade ou brevidade processual uma de suas fontes.

Este princípio foi previsto no art.2º da Lei de Pequenas Causas ( 7.244/84 ), hoje Juizados Especiais Cíveis e Criminais (9.099/95), não tendo nenhuma previsão expressa no nosso Código de Processo Civil, não obstante o art.125, II, determine que o juiz deverá zelar pela rápida solução do litígio, que nada mais é do que a busca da celeridade processual.

Todavia, tendo em vista o despreparo técnico de grande parcela dos operadores do direito, o excesso de formalismo e apego exacerbado ao legalismo acabam por transformar-se em fontes de injustiças e desprestígio da magistratura, tudo isto causado pela demora excessiva das lides.

“fenômeno que propicia a desigualdade..., é fonte de injustiça social, porque a resistência do mais pobre é menor do que a do rico: este, e não aquele, pode, via de regra, aguardar, sem sofrer grave dano, uma justiça lenta...Um processo longo beneficia, em última análise, a parte rica em detrimento da parte desafortunada.”[9]

Daí, o esforço global para harmonizar as exigências técnicas do processo com uma estrutura razoavelmente célere nos mais diversos ordenamentos jurídicos e legais no mundo contemporâneo.

Não podemos, no entanto, deixar de destacar a existência de dois postulados que, em princípio, são opostos: o da segurança jurídica, exigindo um caminhar razoável do processo, e o da efetividade, reclamando que o momento da decisão não se procrastine para além do estritamente necessário. Obtendo-se um equilíbrio destas duas orientações, segurança e celeridade, emergirão as melhores condições para garantir a justiça no caso concreto, sem que haja diminuição no grau de eficácia.

Uma intensa guinada observa-se a partir dos anos oitenta, com as especulações científicas e construções jurisprudenciais acerca do acesso à Justiça, na busca incessante da celeridade processual, surgindo uma intensa onda de reformas, culminando na instauração de novos procedimentos, mormente o procedimento sumaríssimo[10], previsto pela lei 9.099/95.

Moacyr Amaral Santos[11] ressalta que, de acordo com princípio da brevidade, “o processo deve desenvolver-se e encerrar-se no menor prazo possível, sem prejuízo  do princípio da veracidade”.  Esta feliz colocação nos faz concluir que é imprescindível que as demandas sejam suficientemente instruídas para que sejam decididas com acerto.


 

[1] Norma Chrissanto Dias – Monografia de Mestrado da Universidade Gama Filho

[2] SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Vol. 3. 4 ed. Rio de Janeiro : Forense, 1994, pág.447.

[3] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. DINAMARCO, Cândido r. GRINOVER, Ada Pellegrini.  Teoria Geral do processo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, pág.50.

[4] Cf. GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 2. Vol. São Paulo: Saraiva, 1997, pág.81.

[5] “Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer, quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público.”

[6] “O juiz poderá, nas comarcas onde for difícil o transporte, prorrogar quaisquer prazos, mas nunca por mais de sessenta dias”.   Parágrafo único: Em caso de calamidade pública, poderá ser excedido o limite previsto neste artigo para a prorrogação de prazos.”

[7] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. DINAMARCO, Cândido r. GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit.pág.55.

[8] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. DINAMARCO, Cândido r. GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit.pág.54.

[9] Cf. Mauro Cappelletti, “Il processo come fenomeno sociale di massa”, in Giustizia e società. Milão: Comunità, 1997, pág.227.

[10] “É importante observar que, apesar de mais concentrado e da denominação, o procedimento sumário não é de cognição sumária, ou seja, superficial, e que geraria uma sentença sujeita à revisão.  No sistema brasileiro, o procedimento chamado sumário é também de cognição plena e produz sentença com a mesma força e mesma estabilidade da sentença produzida em procedimento ordinário.  A diferença está apenas na concentração de atos e na maior ou menor variedade de atos procedimentais.  Altera-se o modo de proceder, mas em nada o conteúdo do provimento jurisdicional. GRECO FILHO, Vicente. Op. cit.pág.89.”

[11] SANTOS, Moacyr Amaral. Op. cit. pág.299.

 

 

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