AS CONDIÇÕES DA EXISTÊNCIA DAS LIBERDADES [1]

 

INTRODUÇÃO

 

                   Há no mundo declínio das Liberdades ?

 

                   Alguns pensam que sim,  que denunciam a multiplicidade dos alcances aos direitos do homem. Outros contestam e  colocam em dúvida a  boa-fé  dos denunciadores. Entretanto se se fala demais hoje de liberdade nas nossas sociedades ocidentais, não é infelizmente, porque que elas se portem bem.

                   As últimas referências d’ Annesty  International revelam , por exemplo o uso da tortura, sob a ordem dos governantes ou com seu acordo, é prática corrente num número enorme  de Estados e registram violações deliberadas dos direitos do homem  em mais de 2/3 dos Estados Membros das Nações Unidas.

                   As democracias liberais são então marcadas hoje por esta gangrena. Quais são as razões deste contágio ?

 

                   De início, a extensão das competências e poderes do Estado.

 

                   Quando a evolução social e os imperativos do progresso incitam cada um a se voltar em direção ao poderes públicos para resolver as múltiplas dificuldades da vida cotidiana, o preço inevitável a pagar é a infinita complexidade das formalidades burocráticas, a multiplicidade dos controles, o que significa sempre o estreitamento das zonas e das atitudes de liberdades.

                   O cidadão perde o sentido e o gosto da iniciativa individual, rendendo-se completamente a um Estado onipotente e onipresente. Este fenômeno não é espantoso. Nossas sociedades pós-industriais são super-administradas.

                   É então evidente que a marcha à abundância mina as oposições ideológicas. A administração das coisas substitui pouco a pouco o governo dos homens. Ora, a despolitização favorece a burocracia apoiando-se sobre vastas organizações públicas ( armadas e administrações ) e privadas ( grandes firmas , sindicatos e partidos ) que enquadram e planificam a atividade econômica, social, política, administrativa do país, a burocracia contribui para trocar o rosto mesmo da democracia.

                   Nesta sociedade de massa o indivíduo torna-se uma simples peça de uma imensa máquina a qual ele obedece. O poder político se isola, as estruturas locais desaparecem. Força de resistência e conservação esta burocracia bloqueia a evolução liberal das sociedades nas quais ela está instalada, paralisando o projeto político.

                   A liberdade é ainda concebida como uma dimensão essencial da aventura humana. Tudo se passa como se, pouco seguros de nossa fidelidade à liberdade, nós quiséssemos nos resguardar de nossos velhos demônios , nos protegendo de textos que seriam , pensamos nós, fortes obstáculos às seduções autoritárias. Assim nós nos protegeríamos pelo direito contra as fraquezas e as dimensões da vontade.

 

                   Mas a necessidade da ordem é também uma razão do declínio da liberdade.

                   Face aos empreendimentos criminais daqueles que pretendem  não encontrar outra saída que a força brutal para dar uma publicidade a seu caso ou que jogam a política do pior, porque do caos poderá nascer a ordem nova que eles chama de seus votos, na sociedade só pode  ser levada a se defender.

                   Mas para combater em nome da liberdade os que a ameaçam, as democracias em situação de inferioridade são levadas a recorrer às legislações excepcionais e a práticas governamentais que freqüentemente viram as costas aos ideais os quais ela reclamam. Assim, todo mundo se encontra contaminado.

 

                   Aliás, o caráter mesmo de nossa sociedade não favorece as liberdades.

 

                   Não se trata aqui de uma burocracia  administrativa , mas de uma vigilância policial. Mais se agravam os perigos da tecnologia moderna , mais rigorosas devem ser as precauções tomadas para freiar os riscos de acidentes ou de atentados.

                   Está claro , por exemplo, que o controle das matérias radioativas e fissis ( ?) , a vigilância de seu transporte, às vezes para proteger o público contra elas mesmas e para protegê-las delas mesmo contra os ataques de vandalismo  ( malfeitores )  , a vigilância cresce no interior e à volta das instalações nucleares, a proteção internacional mesma - quando se trata de dominar a propulsão nuclear naval ) não podem acontecer sem severas restrições à liberdade de ir e vir.

                   E mais, o segredo que rodeia necessariamente a tomada de decisão  num domínio tão delicado, igualmente a dificuldade - se a vontade mesma existir - de difundir uma informação sobre os dados nucleares, esta espécie de conspiração do silêncio em torno do que toca de perto ou de longe a segurança nuclear, tudo isto conduz indubitavelmente a fazer uma grande pergunta às nossas sociedades pós-industriais : a democracia , é ela ainda capaz de gerar uma sociedade técnica ?

                   Para responder uma questão tão fundamental é indispensável , ao mesmo tempo, estudar e aprofundar a noção mesma de liberdade e de ver em seguida, através da regulamentação francesa de cada liberdade como cotidianamente nosso país no seu âmago vive suas próprias liberdades.

 

I - AS CONDIÇÕES DE EXISTÊNCIA DAS LIBERDADES

 

                   Pode-se ficar espantado da utilização de duas noções aparentemente diferentes ( desassociadas ) nos títulos das obras consagradas às liberdades públicas. Se bem que estas obras tenham sensivelmente o mesmo conteúdo, a maior parte dos autores  ( G. Burdeau, CI- A . Colliard, J. Mourgeon, J. Robert, S. Roche ) intitulam  seus manuais “ Liberdades Públicas ” , enquanto que alguns outros empregam a expressão “Direitos do Homem ” ( Y. Madiot , J. Rivero, J-M. Bécet e D. Colard ) .

                   Estas concepções podem não expressar a mesma realidade. A liberdade resulta sempre em um poder de agir ou não agir, ela é pública no sentido de não estar submissa aos imperativos jurídicos fixados pelo Estado. O termo direito tem um sentido mais amplo : ele absorve a precedente  pois ela se aplica a todas as faculdades de fazer e a ultrapassa na medida que o poder exige alguma coisa do Estado ou , por  seu intermédio , de pessoas privadas ; o direito apresenta um aspecto positivo que não conhece a liberdade. As duas noções parecem mesmo heterogêneas por natureza : exercício individual de uma faculdade natural, fora do campo de intervenção do Estado , de uma parte, reivindicação  coletiva para adquirir por ação do estado, a segurança material , de outra parte. Então, como reconhece Jacques Robert, pode-se perguntar se a expressão liberdades públicas , ela mesma convém. A rigor, a expressão pode ser entendida por aquela dos direitos cujo exercício só exige da parte do Estado uma abstenção , mas tratando-se dos direitos que se analisa  como poderes de exigir do Estado certas prestações positivas, a expressão é totalmente inadequada.

                   As diferenças abaixo refletem  pouco ou muito uma aproximação conceitual.

 

                   René Cassin - A ciência dos direitos do homadros dos limites fixados pelo direito positivo em vigor e , eventualmente, determinados sob o controle do juiz pela autoridade policial encarregada de manter a ordem pública. Este direito é protegido por uma ação judicial, essencialmente , para colocar em vigor o controle da legalidade. ( Liberdades Públicas, Dalloz, 1972, p. 25)

                   Yves Madiot - O objeto dos direitos do homem é o estudo dos direitos da pessoa reconhecidos no plano nacional e internacional e que num certo estado de civilização asseguram a conciliação entre, de uma parte, a afirmação de dignidade da pessoa humana e seu proteção e , de outra parte, é o manter da ordem pública  ( Direitos do Homem e Liberdades Públicas , Masson , 1076, p.19 ).

                   Jean Rivero -  As liberdades públicas são poderes em virtude dos quais o homem nos diversos domínios da vida social, escolhe ele mesmo seu comportamento, poderes reconhecidos, organizados pelo direito positivo que tende a dotá-los de uma proteção reforçada ( As Liberdade Públicas, t.1, PUF , 1978, p. 22)        .

                   Jacques Robert - Pode-se tomar a expressão liberdades públicas em dois sentidos diferentes : De início, no sentido estrito, as liberdades públicas seriam as liberdades inscritas no texto das declarações de direitos, mas a finalidade das declarações o preâmbulos seriam precisamente de anunciar as liberdades e direitos essenciais. Num sentido amplo, seriam consideradas como liberdade pública todo o direito reconhecido por lei. A noção de liberdade declarada substituiria a noção de liberdade reconhecida. Sem dúvida trata-se aqui de uma concepção muito fraca. Precisa-se então  adotar uma definição intermediária . Para que haja liberdade pública seria necessário que se encontrasse na presença de direitos de uma certa importância, liberdades fundamentais ( ( Liberdades Públicas , Montchrestien,1982, p. 25).

                   O Instituto Internacional dos Direitos do Homem  de Strasbourg, fez em 1973 um estudo no computador das freqüências dos termos utilizados no domínio dos direitos do homem . Uma definição surpreendente , mas realista daí resultou. Os direitos do homem são uma ciência que diz respeito a pessoa e notadamente ao homem trabalhador, vivendo num quadro de um Estado e que acusado de uma infração ou vítima de uma situação de guerra deve beneficiar-se  da proteção da lei, graças à intervenção do julgo nacional e das organizações internacionais , tais que os órgãos da Convenção Européia dos direitos do homem e cujos direitos , notadamente o direito de igualdade, devem ser harmonizados com as exigências da ordem pública.

                   Seu objetivo estando assim definido, a ciência dos direitos do homem é uma ciência jovem  que para  desenvolver-se deve integrar o conjunto das disciplinas sociais. No nível jurídico, ela concerne aos direitos constitucional, administrativo, penal, internacional e história do direito. Aliás, a divulgação dos direitos fundamentais e das liberdades implica também a existência de um “ Estado de Direito” , a reunião de fatores não judiciais a nível de desenvolvimento, grau de educação  e de civismo, tipo de sociedade e um envolvimento favorável no respeito da pessoa. A ciência dos direitos do homem, não está então separada das ciências do homem, de onde vem sua originalidade e complexidade.

                   Observa-se nas relações _________________ que só existe um “direito internacional dos direitos do Homem “ que ele não faz nenhuma referência ao conceito de “liberdades públicas” . Ao inverso, sobre o plano nacional elas formam uma categoria jurídica precisa e homogênea , mas os direitos do homem não são todos adquiridos no mesmo grau de efetividade.

                   Deve ser notada a exist6encia de várias “gerações” de direitos do homem que só a primeira, a dos direitos civis e políticos , corresponde exatamente à idéia de liberdades públicas. A dos direitos econ6omicos , sociais e culturais , exigindo intervenção positiva dos direitos públicos, não está ainda totalmente introduzida na legislação. A evolução recente das sociedades humanas mais desenvolvidas exige, talvez, como sublinhou Karl Vasak, a elaboração de uma terceira categoria de direitos dos homem que seriam os “direitos de solidariedade    ”: direito a um ambiente são, ao ar puro, à água pura, sem falar no direito à paz.

                   Nosso propósito é menos ambicioso , pois nosso estudo está centrado só nas liberdades públicas. Neste primeiro capítulo ver-se-á as condições de existência . Foi privilegiado o ambiente sócio-político e sócio-cultural  das liberdades, pois um regime de direito  não é nada sem tal envolvimento. Em seguida, somente será abordado o aspecto puramente jurídico do problema com a garantia das liberdades públicas.                                            

 


 

[1] Norma Chrissanto Dias – Monografia de Mestrado da Universidade Gama Filho

 

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